A semente social e cultural do bolsonarismo, por André Motta Araújo

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Foto: Agência Brasil

Como um país que teve Dom Pedro II e Getúlio Vargas como construtores do Estado nacional pode se contentar com micro personagens de perfil aldeão?

Por Andre Motta Araujo

A semente social e cultural do bolsonarismo

por André Motta Araújo

De onde vem a sociedade que deu vitória a Bolsonaro em 2018 e mantém seus índices de aprovação até hoje em torno de 32%? Qual foi a semente que produziu uma sociedade suicida em termos de visão nacional, solidariedade social, papel do Brasil no mundo?

Como um país com grandes intelectuais, rica cultura, construção multiétnica, multirracial e multicultural pode afundar no fracasso conjunto de políticas econômica, social, educacional, de saúde, cultural?

Como um país que teve Dom Pedro II e Getúlio Vargas como construtores do Estado nacional pode se contentar com micro personagens de perfil aldeão, puxando o país para o lixão da história e da geopolítica do mundo atual, com o consentimento e aprovação de suas elites empresariais, econômicas, culturais e políticas?

A GRANDE MUDANÇA DE ROTA

Uma grande mudança de curso na trajetória de um projeto de Brasil se deu na eleição de Fernando Collor em 1990. Collor enterrou o projeto nacional desenvolvimentista que vinha dos anos 30, com a marca forte de Vargas e depois do governo militar de 1964, especialmente no período Geisel, que seguia o mesmo projeto de Vargas para um caminho oposto, da derrubada de tarifas, da abolição da Lei do Similar Nacional, pela abertura irrestrita de importações, atendendo a uma classe média ascendente e avida do mundo.

Miami dos outlets, do macarrão importado da Itália e da água mineral francesa, uma classe média culturalmente ignorante, mas arrogante que queria se modernizar só nas aparências e não na essência.

Collor era a síntese desse grupo formador do ethos nacional, com sua influência na mídia, especialmente na televisão, surgindo então como protagonista um grupo escondido nos desvãos dos livings e escritórios da antiga sociedade brasileira, culturalmente ativa nos anos 40, 50, 60 e 70, com sua grande literatura, música, pintura, criando um padrão nacional, de brasilidade e caráter essencial de país.

Tudo isso levado pela enxurrada de novidades e mimetismo que a nova sociedade de uma geração afluente e pernóstica surgiu quase que de repente nos anos Collor e depois furiosamente reforçada no governo FHC pelos “economistas de mercado” e sua visão neoliberal, antítese do projeto anterior nacionalista e desenvolvimentista. Era um novo grupo social tomando o Poder.

O NEOLIBERALISMO DOMINA A POLÍTICA

Os neoliberais que dominaram o Plano Real e a economia também dominaram a política nos anos FHC. Os anos do PT trouxeram um refresco para as classes pobres mas não contestaram o poder dessa nova classe média, representada por Henrique Meirelles no Banco Central.

Os governos do PT introduziram programas sociais de alívio, aumentaram o emprego e o crédito para as classes pobres, MAS não enfrentaram o domínio neoliberal na economia e nem pararam o processo de desindustrialização iniciado nos anos Collor.

O NOVO PROJETO BRASIL É COLONIAL E NÃO NACIONAL

O projeto de Brasil nascido nos anos Collor NÃO era nacional, não tinha visão de um grande país com vontade e trajetória própria. O novo projeto é de um Brasil colônia de Miami, nem é dos EUA com suas instituições sólidas e apreço pela cultura na sua elite acadêmica e social, MAS sim uma colônia de um sub-Estados Unidos, de sua parte mais brega e atrasada, menos autêntica, mais corrupta, mais rastaquera, os Estados Unidos versão Florida, uma parte social e sub-cultural americana fraca e de raízes diluídas e esmiuçadas.

O Brasil bolsonarista se contenta em ser uma colônia de Miami, cidade que é o entreposto da corrupção latino-americana, sem os valores mais tradicionais da formação dos EUA.

A Flórida até o começos do século XX era um pântano inóspito, ganhou prosperidade nos anos 20, decaiu por completo com a Grande Depressão e reviveu com a grande imigração das classes rica e média cubana nos anos 60. Mas, foi um renascimento artificial e não agregado ao centro do mundo cultural americano.

OS GOVERNOS DO PT

Os governos do PT não tentaram restabelecer um projeto nacional, a questão do Estado nacional não foi central na estratégia do PT e sim as causas igualitárias e identitárias, que são importantes mas se desbotam sem um Estado nacional forte.

Essa falta de visão de Estado levou os governos do PT a contemporizar com o neoliberalismo crescente controlando as finanças e os “mercados” e especialmente controlando o Banco Central, que em todo os governos do PT teve diretores egressos e retornados depois ao mercado financeiro, um erro fatal. Nos EUA nenhum dos sete membros do Board do Fed podem ter vínculos com o mercado financeiro, assim como no Banco Central Europeu.

O PT serviu como capa e embalagem de um controle do Congresso e do poder econômico pelo neoliberalismo, a classe média agregada ao novo modelo econômico cresceu em  riqueza e influência durante os governos do PT, mas sua alma e aliança política NÃO estava com o PT e sim com uma visão colonial do Brasil.

O sonho da classe média era poder fazer seus filhos estudarem nos EUA, mães queriam ter filhos em Miami para ter passaporte americano, o sonho de férias eram os outlets da Flórida. Não se viajava aos EUA para ir ao Metropolitan ou ao Museu de História Natural de Nova York ou ao Smithsonian em Washington. A meca era Orlando, uma das cidades mais bregas dos EUA, onde a cultura é palavrão.

Desse ninho surgiu essa inacreditável onda conservadora que contaminou por baixo e por cima a classe média brasileira, não toda ela mas a maioria dela, restando – como sempre ocorre – um nicho de gente mais interessada no Brasil, mas minoritário.

Os governos do PT, com seus méritos, cometeram graves erros de estratégia ao não colocar o Estado Nacional à frente das causas igualitárias e identitárias, carregando como lastro uma ideologia de esquerda que não tinha imbricação na história do país e do Estado brasileiro, com alianças espúrias injustificáveis à luz de um Estado com ambição geopolítica e não ideológica.

Assim, como nos casos de apoio a Evo Morales quando estatizou agressivamente refinarias brasileiras ou no apoio injustificado a governos destrutivos na Venezuela, tudo em nome da ideologia e nada em nome dos interesse maiores de um Estado acima das ideologias, como devem ser os Estados.

O NINHO DA SERPENTE

Os brasileiros interessados no Brasil se perguntam: de onde saiu essa gente que parecia estar nas catacumbas porque ninguém via? Eles já existiam e estavam invisíveis, mas já pululavam nas igrejas caça-níquéis, nos ‘cursinhos’ de MBA, em clubes ditos de elite, nas lojas de vinhos, nos restaurantes da moda, nos auditórios de sertanejos fajutos.

Com o advento do bolsonarismo eles perderam o pudor e subiram à superfície, desfigurando um país de riquíssima história, o único da América Latina que já foi Império, que lutou na Segunda Guerra, que teve uma das diplomacias mais respeitadas do mundo, que foi considerado farol ecológico, a Potência Verde do mundo.

UM INTERVALO EM UMA TRAJETÓRIA

A onda de ultra direita tosca que hoje afoga o Brasil vai passar e o Brasil voltará a seu destino de grande País admirado por sua soft power, pela gentileza de seu povo, por sua rica história e cultura, por sua equidistância e equilíbrio nas relações internacionais.

Uma tradição que vem do Império, quebrada por falha imperdoável de suas elites cegas e egoístas, que não conseguem enxergar um ano à frente. Lideranças políticas e empresariais medíocres enlaçadas em ‘projetinhos’ pessoais, sem perceber que se o navio afunda morrem todos e não apenas o capitão.

O Brasil voltará à sua trajetória histórica por conta de seu destino formidável.

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