O Brasil não é do “senhor Jesus”, nem de Malafaia, nem de Michelle e nem de Bolsonaro
“Já passou da hora de arriar a lona do circo neopentecostal bolsonarista”, defende Ricardo Nêggo Tom
Publicado por Brasil247 em 21 de abril de 2024
Até quando nós vamos continuar assistindo passivamente ao exercício de pura desonestidade intelectual e vagabundagem moral, sob a máscara da liberdade de expressão, que vem sendo praticado pelo bolsonarismo e suas vertentes diabólicas? Se fosse apenas a sonoplastia esdrúxula e a reunião de milhares de celerados no mesmo espaço vivendo a mesma distopia e aplaudindo um discurso em inglês feito por um deputado patriota em homenagem ao seu novo salvador estrangeiro, nós riríamos e seguiríamos em frente. Porém, o que existe por trás dessas estúpidas manifestações bolsonaristas é o puro suco do fascismo político, econômico e religioso. Uma ode à insanidade cognitiva e um réquiem da dignidade existencial humana. Estamos morrendo mais um pouco como sociedade, a cada ato em favor de uma figura que representou o que houve de pior na história da política brasileira. A marcha para o diabo, 2ª edição, cumpriu o que prometia. Embora o público tenha ficado abaixo das expectativas, as falas das ilustres lideranças presentes ao evento não decepcionaram e mais uma vez justificaram o porquê de os bolsonaristas condenarem o uso do órgão excretor para relações sexuais. Eles utilizam os seus para formularem ideias e verbalizá-las.
Sei que o título do artigo irá gerar polêmicas e críticas de fundamentalistas e de não fundamentalistas também. Isto porque quando se fala o nome de Jesus, ainda que ele esteja sendo pronunciado por bocas fétidas como as de Silas Malafaia e Michelle Bolsonaro, faz surgir em nosso imaginário a ideia de que o evangelho de Cristo está sendo louvado. No entanto, quando dizemos que o Brasil é do senhor Jesus ou que Deus está no controle de tudo, estamos atribuindo a eles todas as injustiças, desigualdades e violências cometidas sobre a terra. Afinal, se ele está no controle e não muda essa realidade, é porque ele entende que assim deve ser. Ou seja, legitima o discurso político-religioso excludente que tenta nos convencer de que quem é próspero materialmente é abençoado por Deus, e os mais pobres precisam se contentar com a opressão imposta porque essa é a vontade de Deus para eles. E muitos evangélicos e católicos do campo progressista acreditam que Deus está no controle de tudo, o que, de certa forma, acaba isentando o Estado de responsabilidade sobre o caos social que ele promove sob estruturação.
Um caos que tem tudo para se ampliar após o deputado Nikolas Ferreira dizer ao público que “o país não precisa de mais projetos de lei, mas de homens com testosterona”, o que soa como um apelo desesperado de alguém cujo referido hormônio está em baixa quantidade. Um pedido de socorro aos homens deste país, mediante a insignificância e fragilidade da sua própria masculinidade. Um apelo coerente com as atitudes de alguém que vestiu uma peruca loira e subiu à tribuna da Câmara para atacar mulheres trans. Além do machismo e misoginia da declaração, que foi aplaudida pelas mulheres bolsonaristas presentes, em grande parte, senhoras idosas. Talvez, a maioria não saiba o que é testosterona, assim como não sabiam que Israel não é um país cristão. Israel que foi citado na fala de Jezabel Bolsonaro como a terra santa abençoada por Deus. Observem como o deus do bolsonarismo adoram os poderosos e os opressores. Michelle dessa vez não falou tanto. Quem sabe, por ter menos testosterona do que a maioria dos presentes no palanque. Mas como sempre invocou o sobrenatural e reforçou a conclamação da luta contra o mal, feita no evento da Paulista.
A profetisa do inferno bolsonarista parece que está ficando sem repertório e corre o risco de ter o seu blefe de mulher religiosamente virtuosa desmascarado. Não basta usar uma camisa escrito “o Brasil é do senhor Jesus” e repetir que os inimigos tremem diante da palavra do seu deus. Talvez seja a hora de ela discursar em línguas estranhas, como fez o deputado Gustavo Gayer, que falou em inglês para que o mundo inteiro saiba que Elon Musk é o novo senhor e salvador da pátria brasileira. Aliás, o bilionário com sobrenome que exala cheiro de testículo de bode foi glorificado por diversas vezes durante a manifestação. Bolsonaro foi o mais entusiasmado em louvar o novo mito da extrema-direita. Só não arriscou fazê-lo em inglês, porque a patriotada seria épica. Com seu mal e porco português, ele disse que o dono do “X” é o homem que luta por liberdade para todo o mundo e pediu uma forte salva de palmas para o seu novo dono. Uma subserviência mítica que fez o gado mugir em honra ao homem mais desprovido de caráter dos dias atuais.
Bolsonaro também incitou os seus ruminantes apoiadores a combaterem Alexandre de Moraes, o atual governo e a lutarem pela liberdade que está em risco. Um discurso que ainda reverbera entre a sua claque, que é composta por pessoas que acreditam que serem racistas, machistas, homofóbicas, intolerantes, preconceituosas e violentas, é um direito que a liberdade de expressão lhes confere. Não é não! E o judiciário precisa fazer com que eles aceitem isso, ou vai doer mais em suas “liberdades” O ex-presidente ainda tentou dar um último tom messiânico a sua presença no ato, dizendo ao povo, digo, ao gado, que “se algo ruim acontecer comigo, não desanimem”, evocando a suposta facada em Juiz de Fora e vaticinando um novo atentado contra si. O messias dos violentos tentando se fazer ideologicamente imortal diante do seu séquito. Séquito esse que ele já divide o comando com Silas Malafaia, que também se apresenta como candidato a Jesus na frase que Michelle exibia em sua camisa.
Malafaia atacou abertamente o STF sem nenhum pudor, repetindo que o Estado de direito no Brasil está em perigo e que Alexandre de Moraes é um ditador de toga. Mais um apelo à própria prisão que não deveria ficar sem uma justa resposta por parte do judiciário brasileiro. Sinceramente, apenas o dever jornalístico me obriga a ouvir a voz do empresário da fé Silas Malafaia, que representa o que há de mais pernóstico e sorrateiro na linguagem evangélica brasileira. Um ser nauseante do chifre à ponta do rabo. Um ungido do senhor imperialismo que segue usando a religião e a fé das pessoas para manipulá-las em defesa de seus interesses pessoais e financeiros. Como ele mesmo disse em entrevista à influenciadora bolsonarista Antonia Fontenelle, “tocar em um líder religioso não é uma coisa fácil”, acrescentando que ele é líder de uma religião que representa 35% do povo brasileiro. Concluindo que “isso é um negócio gigante” e que o STF não se atreveria a prendê-lo ou a mexer com ele.
Esse é o Brasil que líderes evangélicos como Malafaia, entre tantos outros, desejam. Esse seria o Brasil que pertence ao “senhor Jesus” estampado na camisa de Michelle. Um Brasil fundamentalmente fascista e fascinantemente fundamentalista. Esse é o Brasil que seria a Israel dos trópicos. A terra santa que Bolsonaro louvou em seu discurso, e que teria sido prometida pelo deus que ele representa ao seu gado rancoroso, alienado e ruminante. O dia em que o Brasil pertencer ao senhor de Michelle, Malafaia e Bolsonaro, estaremos num inferno sem precedentes, onde só haverá choro e ranger de dentes para aqueles que não dobrarem o seu joelho diante do rei dos picaretas da fé. Um rei que é mutante e transitório, segundo as conveniências da salvação a ser defendida. No momento, Elon Musk é o libertador enviado por Deus para salvar a pátria. Nada, absolutamente nada é mais diabólico do que se utilizar do nome de Deus para impor domínio. Em nome do Estado laico, eu determino que o Brasil nunca será um evangelistão. Nunca! Tá repreendido, em nome da Constituição! O Sangue da democracia tem poder! Deus nos livre desse inferno!
Ricardo Nêggo Tom
Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247