Jornalista, escritora e ativista pela paz. Foi colaboradora da Folha de S.Paulo em Roma. Autora do livro “Quando amanhece na Sicília”. Pós- graduada em Linguagem, Simbologia e Semiótica pela Universidade de Roma e embaixadora da Paz por uma organização internacional. Atualmente, vive entre o Rio de Janeiro e o Oriente Médio.
27 de Julho de 2018
Há alguns dias, contei a dois amigos romanos, dois jornalistas que vivem em Roma, onde morei por seis anos, que o movimento fascista MBL havia tido mais de cem páginas ligadas a ele deletadas pelo Facebook.
A reação imediata dos dois foi exatamente a pergunta que povoa minha mente há dias.
Ma perché solo adesso? (Por que somente agora?)
O fato é que na Itália centenas de páginas neofascistas, irmãs siamesas do MBL tupiniquim estão sendo deletadas desde 2013, sem possibilidade de retorno, por alimentarem o ódio aos imigrantes, a misoginia mais primitiva, o machismo que mata, o falso moralismo e o ódio aos muçulmanos ou a qualquer grupo religioso que não o falso cristianismo dos neofascistas.
Os jovens líderes desses grupos italianos, um dos quais entrevistei em Roma há alguns anos, quando esses movimentos começavam a surgir e eram vistos como excêntricos ou bizarros na península, começaram a ganhar mais e mais adeptos nos últimos dez anos, na mesma medida em que partidos como a Lega Nord, a Liga Norte, na época liderada por Umberto Bossi, um dos mais agressivos, boçais e xenófobos políticos italianos ( um homem que se inspirava nas milícias fascistas dos anos 30 e 40) começaram a ganhar força no parlamento italiano.
A semelhança entre os líderes do MBL e as milícias italianas fascistas, que deram origem ao histórico Fascismo italiano, é assustadora.
Assim que surgiram, as milícias fascistas da década de 30 foram chamadas de “fascio”, uma espécie de feixe com vários gravetos de madeira que, juntos, podem fazer uma fogueira, segundo uma das metáforas usadas na época.
O movimento dos “fascio” passou a ganhar força quando a Milizia Volontaria per La Sicurezza passou a agredir os jovens de esquerda, chamados por eles de ‘ comunistas’ em passeatas perto do Coliseu e na região da Piazza Navona .
Os agressores eram chamados de Camicie Nere, Camisas Negras, porque que usavam camisas negras fechadas até o pescoço e agiam em nome do anticomunismo, do antipacifismo e do ” nacionalismo”.
Os Camisas Negras atacavam mulheres ( como as mulheres atacadas em uma passeata no sul do Brasil recentemente) , espancavam jornalistas e intelectuais críticos ao fascismo, agrediam as ligas camponesas e qualquer grupo que pensasse de forma diferente dos fascistas.
Poucas pessoas sabem que bem antes da II Guerra, os “fascios” foram responsáveis pelo assassinato de 600 italianos, enquanto a polícia italiana se omitia ou se recusava a fazer algo.Essas milícias, no início, usavam porretes e chicotes ao invés de armas, pois seu objetivo era humilhar seus inimigos e não matá-los.
As milícias atacavam em bandos os partiggiani, ( hoje reverenciados como heróis na Itália), que muitos brasileiros desconhecem e que lutavam contra Mussoilini e contra o fascistas, formando a maior força de resistência interna durante toda a década de 40.
As milícias atacavam caravanas a cavalo, exatamente como grupos próximos ao MBL atacaram mulheres e homens que estavam participando de uma caravana política no sul do Brasil.
Os Camicie Nere tentavam impedir que os jovens de esquerda e qualquer um que eles considerassem comunistas circulassem livremente pelo território italiano e lutassem pelos direitos civis.
Assim como no MBL, havia entre seus membros uma massa heterogênea, desde odiadores contumazes e agressivos, passando por filhos de militares, até oportunistas em busca de dinheiro ou de uma forma mais fácil de fazer uma carreira política.
Os Camicie Nere odiavam os sindicatos de trabalhadores e protegiam os latifúndios italianos. Tinham uma clara adoração pelos nazistas alemães , que haviam escolhido as camisas pardas para as SA, com uma atuação muito similar aos Camicie Nere, e chegaram a inspirar vários grupos fascistas na Europa, sem grande sucesso, como o grupo fundado por Oswald Musley , na Inglaterra, a União Britânica de Fascistas, a Falange Espanhola, que recebeu o nome de Camisas Azuis, o Parti Franciste, na França e até mesmo os Integralistas de Plínio Salgado no Brasil, que foram chamados de Camisas Verdes.
Os milicianos fascistas italianos foram, como sabemos hoje, o grupo mais longevo e mais coeso porque tiveram o apoio de policiais e de líderes políticos italianos.
Os fascistas brasieliros, que vem agindo, sobretudo, em São Paulo e no sul do Brasil contam com o amplo apoio de policiais, ex policiais e até de uma senadora da República.
Vivendo em Roma, pude entrevistar pessoas que perderam seus pais durante o Fascismo e centenas de mulheres que lutam para que a história jamais se repita e o ódio não seja adubado.
Recentemente, um grupo de mulheres italianas conseguiu que o Facebook fechasse mais uma página italiana, uma página chamada “Giovani fascisti italini” (Jovens Fascistas Italianos), que tinha como objetivo alimentar o ódio e como membros jovens de extrema direita e dois senadores que os apoiavam.
Há alguns dias, depois de milhares de fakenews, de anos alimentando um ódio galopante e assustador, depois de milhares de mentiras e agressões até mesmo a uma ativista como Marielle Franco, assassinada no Rio há quatro meses, o Facebook brasileiro deletou mais de cem páginas ligadas ao MBL .
Com imensa tristeza, a pergunta que ainda me faço é: Ma perché solo adesso?