Os abusos de Sergio Moro na Lava Jato em 12 pontos
Grampear advogados, usurpar o Supremo, auxiliar a acusação e tirar armas da defesa, prender usando notícia de jornal para obter delações. Há mais de 5 anos, o método Moro é conhecido e denunciado
Por Cíntia Alves 15/07/2020
Jornal GGN – Quando as mensagens de Telegram trocadas entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato começaram a vir à tona, em junho de 2019, uma pequena parcela dos brasileiros certamente ficou estarrecida, mas não totalmente surpresa. Grampear advogados, usurpar funções da Suprema Corte, dissimular o envolvimento de políticos nas investigações, auxiliar a acusação e tirar armas da defesa, decretar prisões longas e de fundamentação frágil, intervir na cena política com vazamentos seletivos de grampos e delações premiadas. O “método Moro” é conhecido, discutido e denunciado às autoridades competentes há 5 anos, desde o começo da operação. O GGN – que prepara uma série especial sobre o passado de Moro – resgata alguns dos abusos que marcaram sua trajetória.
Em 12 pontos:
- Prisões prolongadas para obter delação: As prisões preventivas estão entre as principais críticas à conduta de Moro na Lava Jato ao menos desde 2015. São dois os pontos mais problemáticos, segundo os advogados: primeiro, prender indefinidamente para alcançar delação premiada; segundo, prender usando argumentos frágeis. Em alguns casos, o Supremo Tribunal Federal reagiu a esse expediente. O ministro Teori Zavascki abriu caminho para uma série de revogações de prisões preventivas. Começou derrubando aqueles decretos em que Moro argumentou que o investigado teria condições de fugir do País, sem apresentar os indícios. Em 2016, julgando um dos recursos, Gilmar Mendes mandou um recado: “O clamor público não sustenta a prisão preventiva”.
- Prisões com fundamentação frágil: Uma das derrotas sofridas por Moro no TRF-4 foi a revogação da prisão de executivos da Camargo Corrêa e da UTC, decretada por ele, de ofício, usando notícia de jornal sobre encontro de advogados da Lava Jato com o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. João Gebran Neto revogou a prisão por não vislumbrar ilegalidade. “Não se tem conhecimento do teor da conversa entre os advogados e o ministro da Justiça. (…) Do encontro, não há narrativa de nenhuma interferência efetiva no processo”, afirmou.
- Vazamentos seletivos: O vazamento seletivo de delações premiadas, mensagens e conversas grampeadas foi uma constante na Lava Jato. Talvez o vazamento mais emblemático seja o que atingiu Lula e Dilma às vésperas da posse do petista na Casa Civil, em março de 2016. Ao longo do processo, vazaram também conversas irrelevantes para as ações penais, mas que geravam manchetes para a imprensa aliada, como ocorreu com Marisa Letícia e filhos. Em 2014 se deu o primeiro grande vazamento com objetivos eleitorais, com a delação de Alberto Youssef estampando capas de revistas às vésperas da reeleição de Dilma. Em 2018, a seis dias do primeiro turno, Moro divulgou a delação de Antonio Palocci. Ao CNJ, o ex-juiz admitiu o caráter político de sua decisão ao dizer que “se o depoimento, por hipótese, tem alguma influência nas eleições, ocultar a sua existência representa igual interferência”.
- Juízo universal: O Supremo também tentou colocar freio em Moro ao “fatiar” os processos da Lava Jato e determinar a distribuição para os juízos competentes. O ministro Dias Toffoli, em 2015, argumentou que “nenhum órgão jurisdicional pode se arvorar de juízo universal de todo e qualquer crime relacionado a desvio de verbas para fins político-partidários, à revelia das regras de competência”. Mais tarde, o fato de Moro monopolizar os grandes casos da Lava Jato, mesmo quando os fatos narrados não tinham raízes no Paraná, foi reclamado pela defesa de Lula. “Atenta contra o devido processo legal e a todas as garantias a ele inerentes o fato de Moro haver se tornado juiz de um só caso”, disseram.
- Usurpar função do Supremo: Moro também arvorou-se em usurpar funções do Supremo. Mais precisamente, desmembrando processos por conta própria, depois que constatou a presença de deputados no meio das investigações. Para evitar que a operação saísse do controle da “República de Curitiba”, ele desmembrou a ação envolvendo o então deputado federal André Vargas e o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa. Zavascki apontou que Moro, como juiz de primeiro grau, não estava autorizado a substituir a “Suprema Corte, promovendo, ele próprio, deliberação a respeito do cabimento e dos contornos do referido desmembramento.” Em outro caso, envolvendo a Eletronuclear, a mesma situação: “cabe apenas ao Supremo Tribunal Federal, e não a qualquer outro juízo, decidir sobre a cisão de investigações envolvendo autoridade com prerrogativa de foro na Corte”, avisaram.
- Dissimular investigação de políticos: O desmembramento do processo de André Vargas lembra outro episódio que demonstra como Moro se esforçava para continuar como o maestro da operação. No começo da Lava Jato, alguns advogados denunciaram que Youssef foi flagrado nas escutas da Polícia Federal conversando com Luiz Argolo, que tinha foro privilegiado. A PF os monitorava desde setembro de 2013, mas afirmou que só descobriu a identidade de Argolo em maio de 2014, uma afirmação não parecia “crível” para os advogados. Enquanto isso, réus como Youssef e Paulo Roberto Costa foram “proibidos” por Moro de citar “nomes com prerrogativa de foro” durante audiências. “Para defensores, isso mostra como ele tentou impedir a remessa dos feitos ao Supremo”.
- Disparidade de armas: Segundo os relatos de advogados, Moro desequilibrava o jogo ao privilegiar o Ministério Público e a Polícia Federal em detrimento dos pedidos feitos pela defesa dos réus. Tratamento desigual nos prazos e pedidos de diligências, ausência nos autos de delações e outras provas, dificuldade de localizar documentos citados nas denúncias. Certa vez, em 2015, Moro levou dois meses para franquear aos advogados acesso aos termos de uma delação premiada. No mesmo período, atendeu a um pedido da PF para prorrogar uma prisão em, literalmente, 14 minutos.
- Auxiliar de acusação: Moro funcionava como auxiliar de acusação do Ministério Público Federal nas audiências. No caso triplex, ele permitiu, por exemplo, que delatores acusassem Lula de crimes não pertinentes à ação penal, violando o artigo 212 do Código de Processo Penal, que determina que “perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa (…)”. A Vaza Jato, depois, mostrou que a assessoria de Moro aos procuradores não parava por aí.
- Conduções coercitivas: Na esteira da espetacularização do processo penal, Moro era mestre em determinar conduções coercitiva acompanhadas pela imprensa. Foi o que fez contra Lula, em março de 2016. “Uma condução coercitiva somente se justificaria na hipótese de Lula não haver atendido uma intimação anterior, o que jamais ocorreu”, afirmou a defesa.
- Grampos em advogados: No dia da condução coercitiva de Lula, aliás, seu advogado, Roberto Teixeira, estava grampeado, o que para a defesa classificou como “grave atentado às garantias constitucionais da inviolabilidade das comunicações telefônicas e da ampla defesa e, ainda, clara afronta à inviolabilidade telefônica garantia pelo artigo 7º, inciso II, do Estatuto do Advogado (Lei nº 8.906/1994).”
O grampo irregular, aliás, não ficou restrito a Teixeira. Um total de 25 advogados do escritório que defende Lula foi monitorado pela Lava Jato, que fez o encaminhamento da ação de forma “dissimulada”. - Violações aos Direitos Humanos (ONU/Interpol): A conduta de Moro o fez ser denunciado por Lula na Comissão de Direitos Humanos da ONU e também marcou uma derrota no processo envolvendo o ex-advogado da Odebrecht, Rodrigo Tacla Duran. A defesa dele conseguiu retirar seu nome da lista da Interpol alegando que Moro era um juiz parcial.
- Violações ao Código de Ética da Magistratura: Ao aparecer na imprensa fazendo juízo de valor contra Lula e governos petistas, ao mesmo passo em que posava sorridente em fotos ao lado de tucanos, Moro feriu diversos dispositivos do Código de Ética da Magistratura. Entre eles:Art. 8: “O magistrado imparcial é aquele que evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.”
Art. 13: “O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza.”