Paulo Henrique era a coragem em forma de jornalismo

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Paulo Henrique era a coragem em forma de jornalismo

“A cada golpe respondia com argumentos mais agudos, sem jamais perder a ironia, o bom humor e a sinceridade. A cada investida da direita, ele retrucava de maneira mais audaz, dobrando a aposta, com seu pensamento desabrido e de esquerda, sem pedir licença por ter escolhido um lado na disputa política, de estar ligado a teses democráticas, trabalhistas e socialistas”, diz Mario Vitor Santos, do Jornalistas Pela Democracia

10 de julho de 2019

Por Mario Vitor Santos, para o Jornalistas Pela Democracia – O grande jornalista Paulo Henrique Amorim morreu também em consequência das dezenas de ações e ameaças que sofreu ao longo dos anos. O jornalismo feito com coragem pode ser uma atividade perigosa, mas Amorim não dava sinais de que essas ações contra ele, às vezes coordenadas, o abatiam.

A cada golpe respondia com argumentos mais agudos, sem jamais perder a ironia, o bom humor e a sinceridade. A cada investida da direita, ele retrucava de maneira mais audaz, dobrando a aposta, com seu pensamento desabrido e de esquerda, sem pedir licença por ter escolhido um lado na disputa política, de estar ligado a teses democráticas, trabalhistas e socialistas.

PHA, como também era conhecido, não fazia média, não se escondia, partia para o debate. Na dúvida, atacava, ao bom estilo daquele que era sua referência maior de estadista, Leonel Brizola.

Desde cedo percebeu que um golpe contra os governos petistas estava se gestando a partir dos meios de comunicação e passou a chamar essa mídia de Partido da Imprensa Golpista, o PIG, que se generalizou. Era um grande comunicador.

Em todos os veículos por que passou, Amorim brilhou. Foi um dos mais destacados jornalistas brasileiros dos últimos sessenta anos, conhecendo e trabalhando ao lado de conhecidos personagens da mídia.

Era um arquivo vivo de histórias da imprensa, da política, da economia e de seus  personagens. Nunca se deixou impressionar pelos discursos de autoridade tão típicos quando proferidos pelas vacas sagradas das redações. Nem se deixava seduzir pelo falso discurso de neutralidade, apartidarismo e isenção falsamente ostentado pela mídia corporativa. Pertencia a uma rara cepa de repórteres de pensamento próprio, fiel a seus ideais em todas as situações importantes, disposto a romper unanimidades mesmo em momentos mais adversos.

E praticava a profissão que abraçou com as entranhas como questão de vida ou morte, no nível de risco de um tribuno como José do Patrocínio, ou Silva Jardim. Seu blog Conversa Afiada foi uma bem-sucedida iniciativa de vanguarda, que emergia como um oásis irreverente, irônico, indignado, bem informado, sendo um refúgio para consciências insatisfeitas com o discurso único da grande mídia contra os mais pobres, contra os direitos sociais e tolerante com o bolsonarismo. Paulo Henrique defendia a Previdência Social, signo civilizador que toda a mídia corporativa unida batalha para extinguir.

O trabalho de Paulo Henrique Amorim no Conversa Afiada representava um desafogo ao mesmo tempo indignado, ácido e irreverente. O seu exemplo profissional maior, porém, é o de natureza individual.

Muito se fala da necessidade de apontar a ação antiética do oligopólio dos veículos de comunicação, de seus quadros dirigentes. Pouco se fala, entretanto, da necessidade de cobrar as responsabilidades éticas de cada jornalista, editor, repórter ou diretor.

Se as instituições são acusadas, o mesmo não se faz com os indivíduos. Suas práticas contra o jornalismo e a verdade não são devidamente divulgadas e apuradas. Inúmeros jornalistas atravessam a carreira mentindo, abraçando práticas opostas aos ideais de sua atividade. Abandonam inteiramente a ética em troca de adesão, em seu trabalho de reportagem ou edição, aos valores e plataformas políticas que orientam cada momento de sua atividade, cada decisão a tomar. Tornam-se peças de mecanismos, oficiais ou não, de influência e propaganda, trocando conscientemente o sentido de sua missão pelo apego a benesses de carreira, sacrificando ou omitindo convicções pessoais e procedimentos de busca sincera da verdade.

A omissão é a regra. A adesão também. O cálculo e as conveniências de momento valem mais. Nesse plano individual, de sua consciência, empenhado na defesa de seu país e do cidadão mais pobre, Paulo Henrique foi uma estrela cada vez mais fulgurante no passar dos anos e nos embates com a vida.

Vale sublinhar: mesmo trabalhando em grandes veículos, PHA jamais se omitiu. Sua morte abre um grande vazio, pois deixa de existir entre os jornalistas brasileiros uma de suas grandes referências de coerência ética individual, na contracorrente do evangelho golpista a que tantos se renderam e sem o qual nem golpe nem Bolsonaro, sua mais completa tradução, teriam existido. Fica para o jornalismo brasileiro a coragem que Amorim ajudou a incutir, pelo exemplo, em tantos que o seguem.

Mario Vitor Santos é jornalista. Foi ombudsman da Folha e do portal iG, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasilia da Folha.

 

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