Por onde anda a democracia brasileira?
A democracia brasileira sofre recaídas e oscilações. Desde a ditadura que dominou o país, estamos na corda bamba em nosso incipiente ambiente democrático.
Por Elisabeth Lopes
Publicado por Brasil247 em 28 de setembro de 2024
A democracia brasileira sofre recaídas e oscilações. Essa debilidade se evidencia com maior ou menor intensidade no país, a partir de condições estruturais ou conjunturais que as precipitam. Desde a ditadura militar que dominou o país por 21 anos estamos na corda bamba em nosso incipiente ambiente democrático.
Em períodos de eleição a situação se agudiza como sintoma dessa fragilidade. Entretanto, onde residem as causas do recrudescimento sazonal de nossa democracia? Na tentativa de refletir sobre o tema é necessário que façamos uma incursão nas configurações históricas, sociais, políticas e ético culturais que perpassam o fenômeno democrático num país emergente, mas mergulhado num sistema capitalista periférico e agressivo, onde as contradições emergem em cada composição da sociedade civil e política.
Desde o fim do período imperial, com a proclamação da República em 1889, o país tem mergulhado em algumas fases ditatoriais, com suspensão de eleições, retiradas de direitos fundamentais, interferências e controle das instituições, convulsões internas, engendramentos do imperialismo norte americano nos destinos do país.
O pessimismo da razão e o otimismo da vontade reuniu, em certa medida, as classes antagônicas pela interrupção do período da ditadura militar iniciado em 1964. De um lado, a ditadura deixava de ser vantajosa ao poder econômico dominante, de outro os movimentos sociais, os trabalhadores e demais segmentos progressistas da sociedade mergulharam profundamente ao longo das duas décadas da ditadura, na luta pelo fim do período cruel de opressão, perseguição, censura, mortes, torturas e de absoluta falta do direito de ir e vir e de se expressar.
A enorme crise econômica com o empobrecimento cada vez maior da população desvelava a verdadeira face da imagem habilmente construída pela burguesia do milagre econômico. Essa realidade produziu nos trabalhadores a indignação pelas precárias condições de vida, de saúde e de trabalho, mobilizando-os na busca de seus direitos sociais. O velho Karl Marx nos ensinou que é necessário que os dominados não suportem a situação de dominação para reagirem. Esse combustível de indignação e insuportabilidade moveu a luta pela democracia, por uma sociedade livre do jugo ditatorial e por políticas públicas que pudessem atender, entre outras, as necessidades de trabalho, de educação e saúde da população, numa perspectiva analítica de seus determinantes sociais. Assim eclode a fase da redemocratização com todas as mazelas recorrentes de um período democrático pendular até o presente momento.
Nesse horizonte democrático caótico, a fragilidade se expressa em candidaturas autoritárias, relapsas e absolutamente distantes de proposições verdadeiramente progressistas que respondam às necessidades dos estratos sociais menos favorecidos. O povo marginalizado pela alienação que o cega, mergulha em promessas ilusórias dos falsos encantadores não de animais, mas de pessoas ingênuas e desprovidas de qualquer criticidade da plena consciência de sua real materialidade de vida e de suas inúmeras carências.
As pesquisas têm demonstrado a opereta dos horrores nas eleições municipais relatada no texto que escrevi na semana passada em todas as regiões do país. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/a-opereta-dos-horrores.
Na cidade de São Paulo o cenário é triste e preocupante com Pablo Marçal e seu histórico de vida nada recomendável. Este candidato tem se mantido com uma boa pontuação nas pesquisas de intenção de votos. Em Porto Alegre o atual prefeito Sebastião Melo, o falso capial, desponta no ranking eleitoral com uma inacreditável vantagem sobre as candidatas progressistas, Maria do Rosário e Juliana Brizola. Ironicamente no decorrer da semana a natureza provou mais uma vez o abandono da cidade por Melo, novamente alagada pela absoluta falta de infraestrutura contra enchentes. No Rio de Janeiro, apesar da situação estar mais tranquila, o candidato da extrema direita, delegado Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin conhecido por suas práticas irregulares nessa agência, cresce na disputa pela administração da cidade, certamente apoiado pelos milicianos, amigos e aliados da família bolsonaro.
É imprescindível que a população pense com seriedade sobre a historicidade da democracia brasileira, na medida em que candidatos assustadores figuram na liderança a cargos municipais importantes que impactarão a vida dos brasileiros. Estas figuras grotescas não apresentam propostas que beneficiem as condições materiais de existência, sobretudo, da população desvalida. Para permanecerem no poder eles aliam-se à parte podre da elite econômica, cumprindo religiosamente seus interesses.
Os contrastes das más administrações são evidentes nas cidades. As diferenças da qualidade de vida entre os bairros nobres e os da periferia são abissais. Durante suas campanhas, os vulgos outsiders tentam encantar os pobres com promessas que nunca serão realizadas, fingem arregaçar as mangas pelos marginalizados. No entanto, a situação se repete a cada gestão. O curioso é que conseguem enganar os excluídos, sempre presas fáceis a cada novo pleito.
Vivemos em sobressaltos, desde o período da redemocratização do país, como o que recentemente presenciamos no resgate de práticas fora da curva do Estado de Direito, ocorridas no fim do governo passado e que culminaram na tentativa do golpe do dia 8 de janeiro de 2023.
As lembranças da ditadura militar ainda são cultuadas. Milhares de pessoas convencidas pelos extremistas de direita marcharam em direção aos três poderes da República para alvejarem a liberdade. Após mais de trinta anos dos tempos de chumbo praticados pelo governo militar, o país e sua frágil democracia sofre constantes ataques. É desnudado o radicalismo como opção, o fascismo como alternativa.
Por essas razões e por outras não mencionadas neste simples texto, volto a perguntar por onde anda a nossa democracia com todos os episódios antidemocráticos recorrentes, com candidaturas fascistas e seus desejos de poder e de domínio. Pobre povo pobre. Resta-nos desejar que no dia da votação possamos ver essa nuvem insana se afastar dos eleitores.
Termino esse texto prestando uma breve homenagem a uma admirável socióloga e jornalista que nos deixou precocemente nesta semana. Nathalia Urban foi uma incansável lutadora por um mundo livre de opressões de qualquer natureza e justo para todos, por uma América Latina de veias abertas para a democracia. Sua luta nunca terá sido em vão, pois sua práxis humanizadora estará sempre viva em nossa memória. Na sua breve existência ela fez a diferença e inspirou a todos que conheceram seu nobre e significativo trabalho. Nathalia Urban Presente!
Elisabeth Lopes – Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação