Os cúmplices de Bolsonaro

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Maia e Bolsonaro em evento no Palácio do Planalto Palace 17/6/2020 (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

Os cúmplices de Bolsonaro

“Todos os que se calaram até aqui, se recusaram ao enfrentamento – inclusive Rodrigo Maia – são corresponsáveis pela tragédia que vivemos hoje”, opina o jornalista Ricardo Bruno. “Não dá mais para se equilibrar na chamada oposição propositiva. Ou há ação, ou há cumplicidade”

12 de janeiro de 2021

Por Ricardo Bruno

A saída da Ford do Brasil, com o fechamento de 5 mil empregos diretos e 15 mil indiretos, é apenas a face mais visível da inação criminosa de um presidente que exerce o poder com absoluto vazio de ideias e propostas em contraste com a imensidão de problemas brasileiros. Faz da incapacidade de gestão o argumento central de um governo que não delibera, não arbitra, não avança, preso a contradições que neutralizam suas próprias forças. Patina no negacionismo para satisfazer a parcelas de sua base identificadas com o atraso, sem qualquer compromisso com os eixos centrais do que seria uma administração pública moderna e cidadã.

Desmoralizado, em meio ao agravamento da crise econômica e do desemprego, Paulo Guedes tenta reproduzir no governo apenas as demandas do neoliberalismo clássico, apátrida. É Ministro da Economia para uma parcela ínfima da sociedade, especialmente para seus amigos, os famigerados tubarões do setor financeiro. Não consegue avançar em qualquer pauta de interesse social coletivo. Sem pejo, limita-se a cumprir tarefas para o capital internacional. Humilhado pelo presidente fanfarrão, agarra-se ao cargo como um carrapato. Perdeu credibilidade e respeito.

Vivemos sob um governo cujo rumo é definido nos encontros do presidente com os apoiadores. Os indecorosos improvisos desta tertúlia de boçais firmam-se como as linhas programáticas da administração. Assim, nega-se a eficácia das vacinas, põe-se em dúvida o caráter democrático do Congresso e agride-se o Supremo Tribunal Federal. É neste caldo viscoso de inépcia e estupidez que florescem os rumos do país. Não pode dar certo.

E as principais lideranças nacionais, à frente das instituições da República, assistem inertes a este desmonte do País, que já foi a sexta economia mundial. A despeito das contestações recentes, o deputado Rodrigo Maia se omitiu durante quase todo o tempo em que esteve na presidência da Casa, não pautando qualquer proposta de impeachment – mesmo com a morte de 200 mil brasileiros e o país em frangalhos. A 15 dias do fim do mandato, elevou o tom, aparentemente, apenas como peça de marketing em favor de seu candidato, o deputado Baleia Rossi. Sem ações efetivas, sua atuação se restringiu a soluços retóricos ocasionais. 

O aparvalhamento das lideranças nacionais diante de Jair Bolsonaro tem um alto custo à sociedade.  A inflação voltou a mostrar suas garras e bate à casa dos 4,52%, a maior desde 2016. Os alimentos são os vilões; dispararam aumentando as brutais dificuldades dos estratos sociais populares.

O desemprego passa de 14 milhões; não há perspectiva de reversão. A não ser nas promessas inconsequentes   de Paulo Guedes, que sempre prevê a retomada para os próximos meses.  No mundo real, não existe a recuperação prometida. O País está imerso numa tragédia sem fim, num vale sombrio –  sem luz, sem perspectiva, sem vacina, sem esperança. Soçobramos no lodaçal dos ineptos.

O ministro da saúde nada conhece de ciência e medicina. Sabujo, se presta apenas a cumprir às orientações do presidente, sem qualquer objetividade e clareza. Enquanto os Estados Unidos, a Comunidade Europeia e a Argentina avançam na vacinação, Pazzuelo exige a distribuição de cloroquina aos pacientes de Manaus e fala em vacina no dia D e na hora H. Dissemina incertezas, gera insegurança. A imprecisão do discurso fornece a métrica para se avaliar o descalabro das ações governamentais. Não há assertividade em nada. 

Sob Bolsonaro, o país detentor de tecnologia para produzir aviões de última geração já não consegue fabricar agulhas, seringas e respiradores. Não há planejamento para um desenvolvimento minimente sustentado. Os raros espasmos de crescimento resultam mais de iniciativas isoladas e menos da ação governamental. 

Regredimos, lamentavelmente.

Antes razão de orgulho dos brasileiros, a Petrobras perdeu comprometimento com os interesses nacionais. Presidida por Roberto Castelo Branco, a empresa vive exclusivamente para produzir lucros aos acionistas, ainda que para isto faça crescer a miséria e o desemprego no Brasil. Nos próximos dias, deve comprar em países da Ásia duas plataformas para o campo de Búzios no pré-sal. Vai gerar cerca de 80 mil empregos diretos entre coreanos ou chineses. E o Rio continuará com sua indústria naval depauperada. Não há grita, não há reação. A lógica neoliberal parece dominar até as lideranças de oposição, rendidas ao caráter inexorável do menor preço.

Todos os que se calaram até aqui, se recusaram ao enfretamento, contemporizaram com o atraso, relativizaram as agressões à democracia e fugiram do debate sobre o impeachment – inclusive o hoje aguerrido Rodrigo Maia – são corresponsáveis por esta tragédia. A oposição retórica se mostrou insuficiente. A situação do país só se agravou: as mortes dispararam e desesperança se sobrepôs ao otimismo próprio dos brasileiros. 

Não dá mais para se equilibrar na chamada oposição propositiva. A dualidade imprecisa desta postura é uma contribuição à manutenção do status quo. É preciso se retirar o aval institucional das ações governamentais com medidas objetivas e duras no STF e no Congresso Nacional. Discursos iracundos não bastam. Ou há ação, ou há cumplicidade – neste caso, criminosa cumplicidade com a morte de 200 mil brasileiros.


Ricardo Bruno

Jornalista político, apresentador do programa Jogo do Poder (Rio) e ex-secretário de comunicação do Estado do Rio

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