O golpe de Trump e o risco Bolsonaro em 2022

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Donald Trump e Jair Bolsonaro (Foto: Alan Santos/PR via BBC)

O golpe de Trump e o risco Bolsonaro em 2022

“Bolsonaro não escondeu que adorou a tentativa de golpe de Trump e que poderá fazer o mesmo. Deixá-lo no cargo até 2022 será negligência demais para com a democracia e para com o futuro do país”, escreve a jornalista Tereza Cruvinel

7 de janeiro de 2021

O mundo assistiu bestificado, na tarde dessa quarta-feira,  6, dia de Reis, a uma violenta tentativa de golpe de Estado nos Estados Unidos.  Este é o nome que se deve dar a movimentos que buscam impedir, pela força, que o vencedor de uma eleição assuma o poder, ou a derrubá-lo sem razões legais e constitucionais.  A invasão do Capitólio por ativistas incitados  por Donald Trump, impedindo a confirmação de Joe Biden como presidente eleito,  feriu o mito da inviolabilidade da democracia americana, graças a seu sistema de freios e contrapesos.  Ruim para o mundo inteiro, em que as democracias perdem força. Péssimo para o Brasil, governado por um seguidor de Trump, mais tosco e truculento ainda.

Nessa noite de quarta-feira, embora as sessões tenham sido retomadas nas duas casas legislativas em Washington, ainda há muitas perguntas sem resposta.   Trump continuará governando por mais duas semanas depois do que houve?  Não poderá ele tentar outro golpe para impedir a posse de Biden?  Nas redes sociais circula a convocação “occupy DC”.  Será possível removê-lo legalmente, por um impeachment relâmpago? Poderá ser forçado a renunciar, depois de perder o apoio de boa parte dos republicanos?   Tudo isso diz respeito ao plano imediato. Mas para o  futuro,  o que interessa saber é se a democracia americana será capaz de se blindar contra novas ameaças ou se entrará em decadência. Se começará a morrer.

No livro “Com as democracias morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt apontam três momentos do século XX em que a democracia americana foi testada. Primeiro, os poderes excessivos concedidos ao presidente Roosevelt durante a Grande Depressão e a Segundo Guerra, ao ponto de ele ter rompido o limite de duas reeleições. Exerceu quatro mandatos mas não tornou-se autocrata. Depois, nos anos 50, o maccarthismo, com a perseguiçao aos comunistas e sua indiscriminada caça às bruxas, implantou métodos absolutamente contrários à democracia, violando princípios como o da presunção da inocência. Isso passou. O terceiro episódio veio com os desvios das normas democráticas pelo governo Nixon, que tratava adversários e a imprensa como inimigos internos. Daí as gravações disseminadas, a vigilância de jornalistas, o uso da Receita Federal como arma política e, finalmente, a invasão do comitê democrata no edifício Watergate, que acabou forçando-o a renunciar antes de sofrer impeachment.  Nada disso, entretanto, compara-se ao que fez Trumpo, cruzando uma linhja nunca antes ultrapassada.

Ele nem dissimulou que foi o organizador da invasão do Capitólio por hordas violentas, que quebraram coisas  e intimidaram pessoas, produzindo inclusive uma morte. O facismo mostrou sua cara no país que se julga a pátria da moderna democracia. E que, em nome dela, já interferiu na vida de tantos povos, muitas vezes entronizando ditadores ou regimes autoritários, como no Brasil, em 1964, para ficara só num exemplo.  

Trump fez um discurso incitador para apoiadores, duas horas antes da invsão, numa redoma de vidro blindado. Depois, quando  o pau quebrou, foi ambiguo ao pedir que deixassem o Capitólio.  Reiterou acusações de fraude, chamou-os de patriotas e declarou amá-los.  

Hillary Clinton, numa rede social, chamou os vândalos trumpistas de “terroristas domésticos”  que atentaram contra o pilar democrático da transição pacífica do poder, e admitiu: a democracia americna revelou-se frágil e os líderes precisam assumir a tarefa de defendê-la.

Mas não devemos nos regozijar com a debilitação da democracia americana.  Ou com a tardia evidência de que lá também podem acontecer golpes de Estado, antes restritos às repúblicas bananeiras das Américas, do Caribe para baixo.  Ou mesmo cafeeiras, como era o Brasil em 1964, muito antes de a soja tomar conta do cerrado. Quando a democracia claudica até em terras onde era tida como sólida, os outros países devem ficar atentos, especialmente se suas instituições não são tão provadas ou se têm governantes de índole autoritária.

Devemos também reconhecer que, embora o sistema político americano tenha sofrido um ataque tão violento, vindo de um presidente inconformado com o resultado eleitoral, as instituições do Estado lá são infinitamente mais comprometidas com a democracia. A começar das Forças Armadas, que logo deixaram claro que não se envolveriam com qualquer ação fora da ordem e da legalidade. Aqui, em nosso subcontinente, frequentemente elas foram aliciadas por golpistas ou a eles se juntaram, especialmente para servir às oligarquias políticas e golpear governos populares, nacionalistas e progressistas. Nossa história é pontuada de exemplos.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, no curso da invasão, declarou que Bolsonaro poderá fazer o mesmo no Brasil em 2022, se concorrer e for derrotado.  Disse o que muitos pensam e temem. O próprio Bolsonaro, também no calor dos acontecimentos disse ter acompanhado tudo,  lembrou que é “muito ligado a Trump”, e que isso,  por si,  já explicava sua posição. Ou seja, favorável à tentativa de golpe. Voltou a dizer que aconteceram no segundo turno de 2018, impedindo que ele fosse eleito no primeiro turno.  

Se Bolsonaro também insurgir-se contra uma eventual derrota eleitoral em 2022,  deflagrando um golpe para permanecer no poder, diferentemente de Trump,  ele contará com o apoio dos militares. Eles já participam do governo, estão efetivamente no poder e são tratados a pão-de-ló por Bolsonaro, que retribui o apoio recebido oferecendo cargos civis, oportunidades, vantagens e mordomias.

O povo está cansado e anestesiado, vencido pela pandemia, o desemprego  e dificuldades de toda ordem (exceto o terço bolsonaristas para o qual tudo vai bem).  Não tem energia para se mobilizar. Mas reflitam as elites, que já andam tão insatisfeitas com um governo que sabota a economia ao conduzir-se tão irresponsavelmente na pandemia, que fere seus interesses com uma política externa desastrosa, seja brigando como a China ou indispondo-se com Biden para demonstrar fidelidade a Trump. Pensem elas sobre o risco de deixar Bolsonaro no cargo até 2022.   Reflitam sobre o que disse Lula, também no calor dos fatos:  “Para o Brasil, é um alerta sobre o que ainda pode acontecer de pior aqui, se não for contido o autoritarismo de Bolsonaro e suas milícias, se continuarem sendo toleradas as violações à liberdade e aos direitos”.

O Brasil, por suas elites,  tem sido muito indulgente com Bolsonaro, assim como o establishment americano tolerou Trump demais.  Aqui, os crimes de responsabilidade se acumulam, a incompetência e o negacionismo, na condução da pandemia, levam à expansão das mortes e à contraçao da economia, e as política externa e ambiental   colocam o país em posição vergonhosa diante do mundo.  Até em caloteiro de instituições multilaterais o Brasil foi transformado. 

Já tendo externado tão claramente suas pulsões golpistas, Bolsonaro não escondeu que adorou a tentativa de golpe de Trump e que poderá fazer o mesmo. Deixá-lo no cargo até 2022 será negligência demais para com a democracia e para com o futuro do país que ele vem destruindo com fúria.

Tereza Cruvinel Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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