“Os gritos e movimentos daquela massa de jovens empurrados a golpes de cassetete e bombas de gás para a morte por esmagamento diz tudo que é preciso saber sobre as tragédias de nosso tempo”, escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
2 de dezembro de 2019
Por Paulo Moreira Leite, para o Jornalistas pela Democracia – Os vídeos sobre o massacre de jovens em Paraisópolis devem ser vistos como aqueles imponentes murais que costumam ser exibidos nos melhores museus do planeta.
Empurrados para a morte por pisoteamento a golpes de cassete, bombas e gás, os gritos e movimentos de sofrimento sem fim daquela massa humana dizem tudo o que é preciso saber sobre as tragédias do Brasil de nosso tempo.
Forçados a matar-se uns aos outros por esmagamento, única forma de tentar escapar da própria morte, jovens pobres do país são conduzidos a um salve-se quem puder aonde nem todos perecem — mas a rigor ninguém se salva. Nem os que tiveram a sorte de permanecer vivos.
Agora que ficou demonstrado que a principal herança do espetáculo da Lava Jato foi um país sem empregos, a economia destruída e um Judiciário partidarizado, cabe reconhecer que neste fim de semana a periferia da maior cidade brasileira caminhou numa treva sem registro nos livros de história.
Atravessamos a fronteira na qual a morte violenta de inocentes torna-se a grande moeda de troca da luta política. Pois era isso — cadáveres — que a PM sabia que iria encontrar quando foi para cima da juventude em Paraisópolis, encurralando centenas, quem sabe milhares, contra o muro e o asfalto de becos sem saída.
Em nova erosão do Estado Democrático de Direito, os cadáveres empilhados de nove garotos — 14 a 23 anos — valem como troféus num morticínio em praça pública, sem julgamento e sem piedade, a certeza de impunidade absoluta.
Houve uma época em que o Estado brasileiro retirava garotos que residiam em abrigos de menores para executá-los na madrugada.
Agora, mata-se jovens que tentam ser jovens — o que inclui se divertir, namorar, embrigar-se e cometer transgressões.
Num torneio de morticínios, João Doria e Wilson Witzel, governadores dos mais influentes estados brasileiros, procuram abrir seu caminho no país de Jair Bolsonaro, de quem disputam a herança.
Não há a menor preocupação com a necessidade de cultura dos jovens pobres e pretos.
Nem uma promessa — fugidia que fosse — de esperança de um destino melhor. Vivem largados, entre a pressão do tráfico e a falta de oportunidades reais na vida. Fora isso, nada. Apenas a morte.
Alguma dúvida?