No fascismo de Mourão, desprezo absoluto pelo Brasil e pelos brasileiros

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Por PAULO MOREIRA LEITE

No fascismo de Mourão, desprezo absoluto pelo Brasil e pelos brasileiros

7 de Agosto de 2018

Convém prestar atenção à ideologia colonizada que estrutura o pensamento do general Hamilton Mourão, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro após diversas recusas.

Trata-se de um pensamento particularmente nocivo por parte de um cidadão que, em companhia do concorrente que hoje figura em segundo lugar nas pesquisas,  pretende assumir o posto número 2 da República nas eleições, adquirindo uma influencia equivalente na condução dos assuntos do Estado brasileiro.

Na primeira aparição pública após ter sido anunciado como candidato a vice, Mourão tentou explicar a origem das mazelas brasileiras a partir da cultura do país.

Disse: “há uma dificuldade em transformar o potencial estratégico do Brasil em poder. Ainda existe o famoso ‘complexo de vira-lata’ aqui no nosso país. Temos que superar isso. Há uma herança cultural, muita  gente gosta de privilégio. Essa herança do privilégio é uma herança ibérica. Temos uma certa indolência, vinda da cultura indígena. Eu sou indígena, meu pai é amazonense. E a malandragem (…) é oriunda do africano”.

As ideias de Mourão, que confirmam afirmações expostas em pronunciamentos anteriores, alimentam uma postura postura geral de submissão voluntária às grandes potências e entrega passiva de nossas riquezas, decisão especialmente estranha para um cidadão que fez carreira nas Forças Armadas — que justificam a própria existência a partir da  defesa da soberania nacional. (Na mesma palestra, ele deixou claro que poderia aceitar uma possível privatização da Petrobras, já admitida por Bolsonaro em entrevistas anteriores).

Não há dúvida que a visão de mundo e a história das ideias de determinado país fazem parte do presente de cada povo. A noção “vira-lata” é uma criação de Nelson Rodrigues e tem sua utilidade como crítica à estreiteza de horizontes de boa parte de nossos homens públicos e mesmo de parte da população. O esforço para explicar a miséria social e o atraso econômicos dos países que se encontram na periferia do sistema capitalista a partir de categorias culturais é muito mais do que isso, porém.

Sabemos que a cultura é parte das estratégias de dominação construída pelos países imperialistas no final do século XIX e se  reproduz até hoje a partir de formulações mais ou menos sofisticadas, conforme o ambiente.

O exercício é conhecido. Para esconder o papel da expansão imperialista na submissão de povos e países a seus interesses e vontades, o que se  procura é responsabilizar os próprios povos dominados por suas dores e misérias.

Numa visão indispensável sobre a importância das ideias e valores em circulação no sistema de dominação mundial, o pensador Edward Said (1935-2003) demonstra o papel da  literatura na formação  das sociedades coloniais, onde o controle social se faz cotidianamente através da cultura — reservando-se a violência das ditaduras, golpes de Estado e guerras de conquista e preservação para situações extremas e de risco imediato. Said recorda um ponto essencial.

Ao contrário do que ocorria em outros momentos da evolução humana, os impérios de nossa época não são operações de “pilhagem”, de roubo de um país pelo outro, mas investimentos de longo curso,  “iniciativas sistemáticas, com um reinvestimento constante,” que exigem “uma ideia de colaboração, de sacrifício, de redenção” por parte dos dominados. A base dessa visão de mundo consiste em  convencer os povos submetidos de que a dominação imperial  “não está lá” para beneficiar os colonizadores, mas “em prol dos nativos”. Para Said, “muito mais importante do que a força, que era administrada de forma seleta, foi a ideia inculcada na cabeça dos colonizados que seu destino era ser dominado” pelas potências ocidentais. Falando sobre a Índia, na qual uma força tarefa de 100 000 britânicos mantiveram uma população de milhões de pessoas sob controle durante 300 anos, Said recorda uma reforma educacional imposta pela Inglaterra “com o objetivo de ensinar a superioridade da cultura  inglesa sobre a indiana”.

Neste início do século XXI, não há dúvida de que a  suposta “indolência” do indígena e a “malandragem” do africano são criações ideológicas tão evidentes que Mourão poderia ser acionado por racismo, tamanha carga de preconceito envolvidos nessas formulações, servindo tanto para justificar um passado de escravidão como para rejeitar qualquer política necessária de reparação.

Ao identificar-se com o povo que classifica como “indolente” o companheiro de chapa de Bolsonaro apenas demonstra que fez um dos exercícios típicos de indivíduos e povos dominados: interiorizou um preconceito alheio, fruto de séculos de dominando e extermínio, preferindo a enxergar o mundo com os olhos de quem massacrou seu próprio povo.

Ao dizer que “a herança do privilégio é uma herança ibérica”, Mourão retoma o costume de maldizer a herança colonial portuguesa, hábito favorito dos impérios de primeira linha quando puderam se dedicar a pilhagem de Lisboa e suas antigas possessões.

Difícil deixar de associar essa visão depreciativa do Brasil e do brasileiro está na origem do aspecto mais escandaloso desta  uma preferência partilhado entre o general, vice, e o capitão, titular da chapa. Apenas um desprezo sem limites pelo país e seu povo explicam o que não tem faz sentido numa visão ética das sociedades e do lugar dos homens e mulheres no mundo: dar estatura de “herói” ao general Carlos Alberto Ustra, o mais notório comandante da tortura, condenado pela Justiça.

Aqui se encontra a síntese das ideias e valores de Hamilton Mourão, candidato a vice numa chapa em segundo lugar nas pesquisas de opinião. Sem respeito pelo povo, glorifica-se aquele que massacra, tortura e mata.

Alguma dúvida?

 

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