Israel, suas mãos banhadas de sangue, a embaixada da vergonha e a morte da pequena Leila 15 de Maio de 2018

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Eles tinham apenas 14 ou 15 anos e poderiam ser nossos filhos, tinham os mesmos sonhos, iam à escola, sonhavam em ser médicos, professores, advogados, em salvar vidas ou lutar pela soberania de um país que está sendo massacrado diante dos olhos indiferentes do mundo.

Por um momento tento me conectar com eles, imaginá-los em  suas brincadeiras, jogando bola em um lugar onde todos os prédios foram bombardeados e onde meninos s]ao assassinados  todos os dias por Israel, tento imaginá-los sorrindo e tento chamá-los por nomes, na esperança de que, chamando-os pelo nome, eles possam viver de novo. 

Sentada diante de uma tela, em uma noite de outono no Rio, olhando para os rostos bonitos de quem tinha ainda tinha tanto para sonhar, peço perdão a cada um deles por não termos conseguido salvá-los.  

Perdoe-nos, Izz Al Samak, Perdoe-nos, Ahmed Al Shaer e Mohamed Al Khair

Perdoem-nos por permitir que Israel os mate todos os dias, por permitirmos que Israel coloque na prisão e torture crianças ainda menores que vocês, de apenas oito anos.

Perdoem-nos pelas crianças que morreram numa prisão israelense e pelas crianças que hoje carregam as marcas da tortura em seus corpos e almas. 

Perdoem-nos por viverem em  uma Gaza destruída  pelas bombas de Israel, pelas metralhadoras e também por um bloqueio econômico desumano, que impede a vida de fluir normalmente, que pune coletivamente crianças como vocês e mulheres que poderiam ser minhas irmãs.  

Perdoem-nos pela tal comunidade internacional que  permanece inerte, com medo dos EUA, indiferente à tanta dor, enquanto um bloqueio  econômico israelense  impede que cheguem a Gaza  produtos básicos para a sobrevivência, ou mesmo materiais para reconstruir as casas bombardeadas, impedem que chegue luz e água potável em quantidade suficiente.

Perdoem-nos por sabermos que  crianças como vocês morram dentro de hospitais e escolas  bombardeados, contrariando as regras humanitárias mínimas de uma guerra.  

Perdoem-nos por deixar que Israel descumpra todas as resoluções da ONU e continue invadindo territórios para  construir assentamentos exclusivamente judeus, e até mesmo estradas por onde palestinos não podem circular, exatamente como acontecia no Apartheid na África do Sul que hoje nos causa arrepios.

Perdoem-nos por suas mães mortas a tiros por soldados israelenses em 2014 enquanto tentavam salvar outras crianças da morte.

Perdoem-nos  pelas crianças que vimos serem assassinadas por Israel enquanto jogavam bola ou  na saída da escola, enquanto corriam  para os braços da mãe.

Perdoem-nos por terem que morrer  de novo e a cada dia, na esperança de que o mundo as veja. 

Perdoe-me, pequena Leila Al Gandhor, pelas aldeias árabes de seus avós e antepassados, que foram completamente destruídas em 1948, quando grupos de terroristas judeus (cuja existência e hoje reconhecida por grandes historiadores judeus) mataram milhares de palestinos e expulsaram mais  800 mil pessoas  de suas casas,  para ocupá-las em seguida, promovendo a maior e mais cruel  limpeza étnica da região. 

Perdoe-me pelos mais de 5 milhões de palestinos  que se transformaram em perenes refugiados , internos e externos, compondo   a mais longa situação de refúgio da nossa  era.

Perdoe-me, Leila, por ter vivido com sua mãe em um estado de dor e apartheid que eu não consigo sequer imaginar. O mundo finge não ver. 

Perdoe-me por cada vez que reconhecemos as atrocidades de Israel mas não fazemos nada para  salvar crianças como você. 

Perdoe-me, Leila, por você ter perdido a vida em um dos momentos mais tristes da história da Palestina e  de Jerusalém.

Perdoe-me por permitirmos que a Cidade Sagrada para as três religiões monoteístas, cristianismo, islamismo e judaísmo, seja profanada por Donald Trump.

Eu sou cristã, Leila, e na primeira vez em que visitei Jerusalém, eu  sentei sobre as pedras da Via Dolorosa e chorei. Eu caminhei pelo Monte onde Jesus foi crucificado e morto, o Gólgota.  Eu percorri os caminhos de Jesus durante a Via Crucis e também me emocionei com os meus amigos muçulmanos, Leila. Com  a linda história de Maomé e a  milenar  ligação dos muçulmanos com Jerusalém , chamada por  todos os habitantes árabes de Al Quds.

Jerusalém é cristã, é muçulmana e também judaica.

Mas a cidade  foi durante mais de 1200 anos, uma cidade árabe.

Havia ali como há ainda  árabes cristãos , árabes muçulmanos e árabes judeus, muitos  dos quais  entrevistei para o livro que escrevendo.   

Sim, pessoas de religião cristã e judaica e etnia árabe, pessoas pacíficas que lutam através da Resistência Não violenta, ao lado dos palestinos, pela soberania da Palestina.    

Desde que os protestos pela  transferência da embaixada  de Tel Aviv para  Jerusalém começaram 111 pessoas foram mortas, entre elas, muitas  crianças como você.  

O mundo todo condenou  o massacre de palestinos, Leila,  e a  Turquia, a Irlanda e a  África do Sul  até chamaram  de volta seus embaixadores,  enquanto a ONU e a Anistia Internacional falam em crimes de guerra.

Mas nós não conseguimos salvar você.

Uma menininha palestina de apenas oito meses.

Nós fracassamos.

Por que permitimos que vocês morressem, enquanto os homens mais poderosos de  Israel celebravam com uma festa a quebra da palavra dada, a vergonha e a morte de tantas crianças? Por que não conseguimos não conseguimos salvar Ahmed, Mohamed e Leila?

Quando uma criança é morta dessa forma, o mundo morre com ela.

Morrem os desenhos que ela deixaria, os sonhos que ela teria, os sorrisos que daria, os filhos que teria, as pessoas que a  teriam amado. Todos nós morremos um pouco hoje.

Num pequeno lençol branco   onde jaz o corpo de Leila, jaz a humanidade inteira. 

LÚCIA HELENA ISSA

Jornalista, escritora e ativista pela paz. Foi colaboradora da Folha de S.Paulo em Roma. Autora do livro “Quando amanhece na Sicília”. Pós- graduada em Linguagem, Simbologia e Semiótica pela Universidade de Roma e embaixadora da Paz por uma organização internacional. Atualmente, vive entre o Rio de Janeiro e o Oriente Médio.

 

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