Impunidade de pistoleiros prepara novos ataques contra Lula
31 de Março de 2018
Por Paulo Moreira Leite no brasil247
Mesmo num país no qual crimes políticos raramente são investigados, muito menos esclarecidos, a apuração sobre os três tiros contra dois ônibus da caravana de Lula já atinge um nível grotesco, justificando a certeza de que tudo será feito para que não se chegue a lugar nenhum — exatamente como ocorria nos piores momentos da ditadura militar.
Só para rememorar com três exemplos. Em 1971, quando o empresário Rubens Paiva foi torturado e morto, divulgou-se que havia escapado dos meganhas que o sequestraram e nunca mais fora visto. O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, foi apresentado como suicídio, inclusive com foto forjada. Em 1981, o atentado a bomba do Rio Centro, que poderia ter custado a vida de milhares de pessoas reunidas num show de 1 de Maio, no Rio de Janeiro, foi atribuído a uma organização armada, VPR.
Em março de 2018, num lamentável sinal de que tempos sombrios ameaçam voltar, a linha adotada para se investigar os tiros que atingiram a caravana é uma opção que contraria opinião de autoridades do próprio Paraná e os principais dados disponíveis até aqui. Como caminho para chegar aos responsáveis, a hipótese de que tudo não passou de um “disparo de arma de fogo com dano provocado”, é uma opção sob medida para não se levar a lugar algum. Permite uma encenação investigatória que poderá resultar, no máximo, numa ação indenizatória — quem sabe para pagar o serviço de funilaria na lataria dos ônibus.
Sabemos que essa opção ignora o ambiente de tumulto, ameaças e atos de violência que marcaram a caravana desde o início. Também contraria opiniões tecnicamente respeitadas, como a delegado Wilkinson Fabiano de Arruda, o primeiro a cuidar do caso, e do próprio procurador de Justiça do Paraná Olympio Sotto Mayor Neto. Não se pode esquecer o que eles já disseram.
Para o delegado, “se há disparo de arma de fogo em direção a diversas pessoas num ônibus, isso será considerado, num primeiro momento, tentativa de homicídio, aqui e em qualquer parte do mundo”.
No mesmo raciocínio lógico, o procurador disse ao Valor Econômico: “Eu diria que quem atirou naquele ônibus assumiu o risco de matar alguém.”Olympio Sotto Maior Neto também apontou indícios anteriores deixados nas redes sociais. Apontou conversas em que se faz referência a ovos e “miguelitos” até que, “em determinados momentos, começou-se a falar em utilização de armas de fogo”.
Durante o regime militar, o esforço para acobertar crimes contra militantes de oposição era uma forma de proteger o aparato de repressão e seus integrantes. A divulgação de versões fantasiosas era sustentada sob um regime de força e intimidação, no qual a censura prévia garantia a última palavra a temas delicados. Assim, ninguém foi investigado, julgado ou punido.
Na campanha de 2018, a proteção aos pistoleiros serve de escudo a violência.
É sintomático que a reação de Bolsonaro diante dos tiros contra caravana tenha sido colocar a responsabilidade no próprio PT: “para mim, é algo feito por eles, para buscar a vitimização, como se o outro fosse violento e eles os pacíficos”, disse.
Obviamente ninguém tem o direito de estranhar esse comportamento. Enquanto as hordas fascistas que atacaram as caravanas se apresentam como cabos eleitorais de Bolsonaro, ele próprio se coloca como o candidato que pretende submeter o país a um estado policialesco.
O lamentável é que meios de comunicação tradicionais, que se pretendem sérios, reproduzam essas palavras, sem comentários nem questionamentos. Sempre que se referem aos ataques, repetem a alegação de Bolsonaro, candidato que fez do gesto de disparar uma metralhadora a marca número 1 de sua campanha.
Com isso, os jornais contribuem para embaralhar a investigação e deixar no ar a impressão de que é possível atribuir uma gota de semelhança a uma declaração que obviamente não possui valor algum. Equivale, 43 anos depois, a dar credibilidade à tese de que Herzog havia cometido suicídio — ato de covardia que nem a imprensa da época, sob censura e a imensa pressão de um país sob ditadura, não cometeu.
Acobertar os pistoleiros que atacaram a caravana é fazer o mesmo jogo do passado, agora num sinal invertido.
Os inquéritos truncados da ditadura militar ajudavam a conservar um regime moribundo. A linha de investigação de 2018 abre caminho para um estado policialesco, do qual Bolsonaro pretende, assumidamente, ser a voz na eleição presidencial.
A proteção aos pistoleiros do Sul, a falta de interesse para apurar quem são, de onde vieram, num ambiente geral de tolerância e impunidade, é a melhor forma de deixar o terreno livre para novos ataques fascistas durante a campanha.
Alguma dúvida?