O Rio de sangue

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 Por Carlos D’Incao  historiador

O Rio de sangue

20 de Fevereiro de 2018

A intervenção federal no Rio de Janeiro não é uma brincadeira e muito menos um improviso. Não é coisa de amadores e muito menos obra de um “governo fraco” que não tem mais saída para se sustentar.

Ao longo de uma história nacional marcada pela interrupção golpista, nenhum outro governo fez tantas reformas reacionárias em tão pouco tempo como o governo Temer. Falta dar continuidade política a essas reformas. E é aí que entra a intervenção federal no Rio.

Ela não é feita para que Temer tenha qualquer ambição político-eleitoral. Ela é feita para se criar um “novo herói” nacional. E esse herói já tem nome e patente: é o general Braga Netto. Se alguém tinha alguma dúvida sobre a posição das forças armadas brasileiras nesse universo político, ela se desfez nos últimos dias. O exército está a favor das reformas neoliberais e as defenderá com tanques e fuzis, se assim for necessário.

É comum (e de certa forma saudável) as pessoas olharem para o passado para tentar compreender o presente. Mas o presente não é escravo do passado e – a não ser sob a forma da farsa – o passado nunca se repete. Devemos esquecer o processo golpista de 1964. Esse se deu em uma conjuntura econômica e política muito diferente do que a que vivemos.

O que ocorre hoje não deixa de ser óbvio para quem acompanha as exigências do mercado: o Brasil deve entregar suas riquezas para a iniciativa privada e realizar um ajuste ultra-neoliberal em seu orçamento para garantir o pagamento de suas dívidas públicas para os banqueiros.

Entretanto, as vias democráticas não sustentam essas reformas. Sob vários cenários elas são derrubadas nas urnas por uma coalisão de centro-esquerda. É necessário então uma nova República onde o jogo democrático esteja esvaziado de poderes, ou seja, onde os poderes políticos de um presidente, do congresso e do senado estejam limitados à banalidade da “simples gestão”. Uma República onde o que é importante seja decidido pelos poderes de fato, isto é, o grande capital.

E é justamente isso que está sendo articulado desde 2016. Estamos vivendo os primeiros momentos de uma nova República, a 6ª República. Ela terá um judiciário forte, um Banco Central autônomo, um Ministério da Segurança Pública com poderes de Ministério da Justiça e um presidencialismo fajuto ou, na prática, um “Parlamentarismo de Mercado” onde o Primeiro Ministro seja o índice Bovespa, controlado diretamente por Washington.

O general Braga Netto é o nome que faltava para convencer a opinião pública – em especial os milhões de “manifestoches” – de que o Brasil precisa de uma nova constituinte para resolver os diversos atropelos entre os poderes e os “graves” problemas de segurança pública que contam com um crime organizado que ironicamente está munido de armamentos que são de uso exclusivo das forças armadas… e… obviamente… um calendário eleitoral não pode estar acima “dos interesses nacionais”…

No fim o que temos é um complexo e bem estruturado sistema para impedir o retorno da democracia, como existia nos moldes da Constituição de 1988.

Caso o plano de intervenção no Rio seja um sucesso teremos o funeral da democracia sob o pretexto de que o “excepcional” deve se tornar uma regra. E esse sucesso dependerá muito da maquiagem e da manipulação da Rede Globo. Caso a intervenção não tenha sucesso, teremos o funeral da democracia sob o pretexto de que o “excepcional” deve ser aprofundado para se ter o sucesso esperado…

Tanto de um lado como de outro, temos uma trava muito bem feita e muito bem pensada pelos donos do poder. E qual é a única saída quando se está no interior de um jogo onde sob qualquer ótica você será derrotado? É justamente realizar o mesmo movimento de quem elaborou esse jogo, ou seja, virar o tabuleiro e se recusar a jogar sob esses termos.

Nunca é o desejo de ninguém a saída da insurreição popular. Mas quem não deixou outra saída foram os que tomaram o poder através de um golpe de Estado. Quem se recusou a dialogar e radicalizou ao ponto de destruir a democracia e o Estado de Direito foi o mercado a direita brasileira…

Resta saber agora quando as lideranças do campo da esquerda vão começar a levar a sério a atual conjuntura e assumir a responsabilidade histórica de não mais jogar o jogo da atual ditadura e, sobretudo, parar de fingir que milagrosamente e de forma generosa o mercado deixará Lula ser o presidente da República em 2019, abrindo docemente a mão de trilhões de reais que estão em jogo nos próximos meses.

O mercado vai exigir que seus interesses sejam obedecidos. E se para isso for necessário que haja um mar de sangue, ele já deixou clara a sua opção… Ele quer um Rio de Sangue.

 

 

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