Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros
A direita brasileira nunca foi democrática. Criticava Getúlio Vargas como antidemocrático, por conveniência. Foi derrotada democraticamente por Getúlio em 1950 e não parou nunca de conspirar contra a democracia, que foi sempre o seu cemitério.
Usou o pretexto da democracia para dar o golpe de 1964 e instalar o regime mais antidemocrático que o Brasil já conheceu. Quando a ditadura se esgotou, a direita teve que se resignar à convivência com a democracia.
Redefiniu a democracia e a própria palavra “reforma”, com um caráter regressivo. A democratização não tinha afetado as estruturas profundamente antidemocráticas do país, consolidadas pela ditadura. Com o neoliberalismo, o poder do dinheiro passou a corromper o que havia de democracia.
Mas o Brasil radicalmente injusto que a direita produziu se voltou contra ela e a vitória de Lula representou a rebelião da desigualdade contra o poder da direita. Políticas de justiça social promoveram e garantiram a legitimidade dos governos do PT. O Estado teve sua imagem recuperada porque promovia o desenvolvimento econômico e a distribuição de renda. A democracia passava a representar algo muito concreto para o povo brasileiro: o direito de escolher seus governantes e os programas desses governos.
Foi assim que a direita foi sucessivamente derrotada em quatro eleições presidenciais, até que ela buscou o atalho do golpe. Se valeu do desgaste da política tradicional, do próprio Estado – quando o segundo governo Dilma colocou em prática um ajuste fiscal antipopular –, as denúncias de corrupção, com a direita recuperando capacidade de iniciativa, para golpear profundamente o que havia de democracia no país.
Instalaram um governo essencialmente antidemocrático, para realizar as políticas derrotadas democraticamente nas urnas. Abandonou de vez a democracia, porque não consegue ganhar eleições livres e porque seu programa de governo é profundamente antipopular.
Por mais complicada que se tenha tornado, a via eleitoral é hoje o caminho possível de derrotar o golpe. Não a eleição pela eleição, mas como resultado do grande processo de mobilização popular que tem se dado nestes dois anos, incluindo as Caravanas e a campanha pela defesa do direito de Lula ser candidato. Ao dar um golpe pela via institucional, a direita se vê amarrada a certas normas. Não pode, por exemplo, simplesmente pela via da força, cancelar as eleições. Tenta diminuir seu peso, enfraquecer as formas de representação popular, criar candidato fajuto. Mas se abate sobre ela o fantasma da eleição presidencial deste ano.
Para a qual a luta pelo direito de Lula ser candidato é o tema essencial para a esquerda, porque ele expressa as maiores forças acumuladas pelo movimento popular. Mas, caso a judicialização da política, parte inerente do golpe, conseguir impedi-lo de ser candidato, não se pode abandonar – como algumas vozes expressam – a disputa e entregar, de mão beijada, as eleições para a direita. Aí sim, a esquerda abandonaria a disputa pelo governo, mas ficar relegada, por muito tempo, a uma oposição impotente e minoritária. Haveria, mesmo com a denúncia de mais esse golpes contra a democracia, disputar com o candidato que Lula considerar que melhor representa hoje sua candidatura – que, pelas pesquisas, estaria garantido